Editores da série MOC Antonio C. Buzaid - Fernando C. Maluf - Carlos H. Barrios
|
Editor-convidado Caio Max S. Rocha Lima

Nos últimos anos, o microbioma intestinal vem ganhando destaque na oncologia, especialmente após a descoberta do seu potencial de interferir diretamente na carcinogênese e na eficácia dos tratamentos oncológicos1. Com isso, vários são os exames atuais que avaliam a composição da microbiota intestinal e a presença de bactérias benéficas e patogênicas. Como as bactérias podem causar câncer? Quando pensamos na associação bactéria e câncer, lembramos imediatamente da relação da Helicobacter pylori com câncer gástrico, mas é importante ressaltar que ela não faz parte da microbiota saudável. A Fusobacterium nucleatum, por exemplo, tem associação com câncer colorretal. Ao promover disbiose, essa bactéria reduz a diversidade microbiana e rompe o equilíbrio entre espécies protetoras, como Lactobacillus e Bifidobacterium, e microrganismos pró-inflamatórios, como Bacteroides fragilis e Enterococcus. Esse desequilíbrio favorece um ambiente inflamatório crônico e alterações epiteliais que contribuem para a carcinogênese. A presença do F. nucleatum em tecidos tumorais e nas fezes está associada a piores desfechos clínicos2. Outro microrganismo com potencial oncogênico é a Salmonella, especialmente os sorotipos Typhi e Enteritidis. Infecções crônicas por S. Typhi estão associadas a um risco até oito vezes maior de carcinoma de vesícula biliar, enquanto infecções por S. Enteritidis, mais comuns e frequentemente subdiagnosticadas, têm sido relacionadas a um aumento significativo do risco de câncer colorretal. Essas bactérias agem modulando vias de proliferação e sobrevivência celular, como AKT, β-catenina e mTOR. Nesse contexto, a ativação sustentada da via mTOR, observada após infecção por cepas clínicas de Salmonella, pode ser revertida com inibidores da mTOR, apontando para uma possível estratégia terapêutica personalizada em tumores associados a essa infecção bacteriana3. As bactérias podem ter um papel benéfico no tratamento do câncer? Paradoxalmente, a microbiota intestinal também pode ser uma aliada no tratamento oncológico. Evidências clínicas mostram que pacientes com melanoma ou câncer de pulmão tratados com imunoterapia anti-PD-1/PD-L1 e que não foram expostos previamente a antibióticos apresentam maior sobrevida comparada aos que receberam antibióticos4. Esse dado reforça a ideia de que a integridade da microbiota intestinal é importante para a eficácia da imunoterapia. Entre as bactérias mais estudadas com efeito benéfico no tratamento oncológico, destaca-se a Akkermansia muciniphila, cuja presença tem sido associada a melhores respostas a inibidores de PD-1. Bifidobacterium spp. também demonstrou potencial para melhorar o controle tumoral e amplificar a eficácia de bloqueadores de PD-L1. Para pacientes tratados com anti-CTLA-4, bactérias como Burkholderiales e Bacteroides fragilis ou B. thetaiotaomicron foram associadas a melhores desfechos clínicos em pacientes com melanoma1. Existe resistência ao tratamento oncológico provocada por bactérias? Determinadas bactérias da microbiota intestinal têm sido associadas à resistência a terapias antineoplásicas. Fusobacterium nucleatum, por exemplo, reduz a sensibilidade a agentes como 5-fluorouracil e oxaliplatina em câncer colorretal. Escherichia coli também pode interferir na eficácia do 5-FU, por meio da produção da enzima diidropirimidina desidrogenase bacteriana, capaz de inativar o fármaco. Bactérias do gênero Proteus contribuem para resistência a múltiplos quimioterápicos, incluindo irinotecano, oxaliplatina, ciclofosfamida e gencitabina (este último revertido com o uso de ciprofloxacino)1. A interferência da microbiota nos eventos adversos do tratamento oncológico Além de influenciar a eficácia terapêutica, a microbiota intestinal também desempenha um papel importante na modulação dos efeitos colaterais relacionados ao tratamento. A presença de bactérias do gênero Bacteroides tem sido associada a uma menor incidência de colite induzida por inibidores de CTLA-4 em pacientes com melanoma. Em contraste, uma maior abundância de Fusobacterium e de certas Firmicutes foi relacionada ao aumento de eventos adversos imuno-mediados1. A microbiota será o próximo alvo da oncologia de precisão? Entre as estratégias mais promissoras na interface entre microbiota e oncologia está o transplante de microbiota fecal (FMT, da sigla em inglês). Essa ferramenta já vem sendo usada com aprovação pelos órgãos reguladores para prevenção de infecção por Clostridioides difficile, inclusive com apresentação via oral Vowst® da Seres Therapeutics, Inc. Em oncologia, o FMT tem demonstrado potencial de reversão da resistência a inibidores de checkpoint em pacientes com melanoma avançado. Em um estudo clínico de fase I (NCT03353402), 10 pacientes refratários a anti-PD-1 receberam FMT de dois doadores com resposta completa sustentada ao nivolumabe. Após a reintrodução do anti-PD-1, 30% dos pacientes apresentaram benefício clínico duradouro, incluindo duas respostas parciais e uma resposta completa, com sobrevida livre de progressão por pelo menos seis meses. Concomitantemente, em um estudo fase II (NCT03341143), 40% dos pacientes com melanoma resistente a inibidores de checkpoint apresentaram benefício clínico após FMT combinado com pembrolizumabe, incluindo uma resposta completa, duas respostas parciais e três casos de doença estável por mais de um ano5. Apesar do potencial terapêutico do FMT, sua aplicação clínica ainda levanta preocupações de segurança, como a transmissão de patógenos e genes de resistência a antibióticos. Além disso, preocupam também os eventos adversos relatados, que incluem bacteremia, infecções virais e um caso de sepse fatal, o que levou à suspensão temporária de ensaios clínicos com FMT pelo FDA em 2019. Outra estratégia em estudo para manipulação da microbiota é o uso de probióticos, microrganismos vivos com potencial de restaurar o equilíbrio intestinal. Por exemplo, Lactobacillus brevis demonstrou reduzir a mucosite oral em pacientes com câncer de cabeça e pescoço submetidos à radioquimioterapia. Em câncer colorretal, uma combinação com Bifidobacterium infantis, Lactobacillus acidophilus, Enterococcus faecalis e Bacillus cereus atenuou a disbiose e complicações gastrointestinais após cirurgia. Já em carcinoma nasofaríngeo, uma mistura com Bifidobacterium animalis, Lactobacillus rhamnosus e L. acidophilus reduziu a mucosite oral durante o tratamento. Além disso, experimentalmente, Lacticaseibacillus rhamnosus Probio-M9 mostrou potencial em melhorar a resposta à imunoterapia (1). Conclusão Em resumo, a microbiota intestinal surge como peça importante no cenário da oncologia, influenciando não só o surgimento de tumores, mas também a eficácia e os eventos adversos dos tratamentos atuais. Ferramentas inovadoras, como o transplante fecal e o uso de novos probióticos abrem as portas para uma oncologia preventiva e com tratamentos mais eficazes. Porém, ainda há um longo caminho a percorrer em relação a segurança, padronização e melhor entendimento dos mecanismos envolvidos na interface microbiota e câncer, para que essas abordagens possam ser adotadas na prática clínica. Referências:
  1. Sun J, et al. Gut microbiota as a new target for anticancer therapy: from mechanism to means of regulation. npj Biofilms Microbiomes. 2025;11:43.
  2. Galasso L, et al. Unraveling the role of Fusobacterium nucleatum in colorectal cancer: molecular mechanisms and pathogenic insights. Cancers. 2025;17(3):368.
  3. Stévenin V, Neefjes J. Salmonella, the insidious contributor to gallbladder and colon cancers. Nat Rev Cancer. 2025;25:317–318.
  4. Pinato DJ, et al. Association of prior antibiotic treatment with survival and response to immune checkpoint inhibitor therapy in patients with cancer. JAMA Oncol. 2019;5:1774–1778.
  5. Yang Y, et al. Fecal microbiota transplantation: no longer Cinderella in tumour immunotherapy. EBioMedicine. 2024;100:104967.

Compartilhe

Atenção: O conteúdo deste site destina-se exclusivamente a profissionais de saúde. Nunca tome medicamentos tarjados por conta própria; siga sempre as orientações de seu médico. Os autores e editores desta obra fizeram todo esforço para assegurar que as doses e as indicações dos fármacos, bem como dos procedimentos apresentados no texto, estivessem de acordo com os padrões vigentes à época da publicação. Em virtude dos constantes avanços da Medicina e de possíveis modificações regulamentares referentes aos fármacos e procedimentos apresentados, recomendamos que o usuário consulte sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificar de que as informações contidas neste site estão corretas. Isso é particularmente importante no caso de fármacos ou procedimentos novos ou pouco usados. Este site, para uso exclusivo por profissionais de saúde, é editado com objetivos educacionais, estando em conformidade com a resolução no. 097/2001 do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Responsável técnico: Dr. Antonio Carlos Buzaid, CRM-SP 45405. Nenhuma parte pode ser reproduzida ou transmitida sem a autorização dos autores. O conteúdo deste site é produzido de forma independente e autônoma, sem qualquer interferência das empresas/instituições apoiadoras ou patrocinadoras e sem que haja qualquer obrigação por parte de seus profissionais em relação à recomendação ou prescrição dos produtos/serviços eventualmente comercializados por quaisquer dessas empresas/instituições Copyright © 2025 Antonio Carlos Buzaid. Desenvolvimento: DENDRIX CNPJ 05.371.865/0001-88